CODA 6 - Maria João Seixas avalia JD e este malandrim responde

 Boa festa!

                                           "o corpo ardia ao fundo na petra lar e a sua lumalha verde

                                          descompunha a claridade de candeia na ponta do nagalho"

                                                                        de 'Quando os lobos uivam'  Aquilino Ribeiro

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acesso ilegítimo

ViVo só 

só ViVo

«é da prática que vêm as ideias justas» Mao Tsé Tung

Maria João Seixas: quando lhe falei para nos encontrarmos, foi com ironia pachorrenta que me disse que sim... uma "Conversa com vista para...", comigo? Tens a certeza? Bom, assim seja. E veio, à entrada da tarde. Chegou de táxi, não sem antes ter tido que reconfirmar, pela enésima vez, o número da porta e o andar. Bebemos um café e, perante a sua magnânima condescendência sobre o minúsculo e tosco gravador que utilizo, arrancámos. Sentei-me no chão, como gosto, pés ao léu, e pus-me a olhar para ele. Mexe as mãos e os braços em sincronia com os olhos, que não param de deambular por quem está à sua frente e pelo espaço que o rodeia. Parece ser o olhar que lhe marca a cadência das palavras. Palavras que não lhe saem ao acaso. Gosta de palavras, ui se gosta!, e embala a conversa procurando encaixá-las num ritmo que só ele entende como o mais ajustado para as fazer brilhar. Para lhes dar sentido. Se é pelas palavras que se vai revelando, é também por elas, e pelo código de cumplicidade entre ele e elas estabelecido, que mais se esconde. Quanto mais desabridas, mais o sinto na toca. E aí é resolutamente interdito qualquer acesso. De cabeça perimetricamente ampla e com uma cara afoita, hasteia um sorrisinho, entre o terno e o sarcástico, que o corpo sólido e gingão não ajuda a decifrar. Eu disse gingão? Erro meu, o que Zé Duarte tem no corpo é "swing". No corpo e seguramente no coração e na alma. Sobre esse quase inefável conceito que é o "swing", foi bom ouvi-lo, tê-lo como pisteiro de eleição para o entendimento dos caminhos que ao "swing" vão dar. Tornou-se agora mais claro para mim aquilo que sempre suspeitei ser a verdadeira essência do "swing" - uma dimensão ontológica que se traduz num balanço do ser. Esse balanço, senhoras e senhores, é que é lindo!

José Duarte - Dir-te-ei quem sou: sou um modesto rapaz, nasci no Bairro Alto e canto bem o fado. Nasci em casa, no nº 38 da Rua Nova do Loureiro, mesmo ao pé do Conservatório. Sou filho único. Os meus pais mudaram-se, mais tarde, para a Praça das Flores... que ainda era pobrezinha, ainda não estava na moda. Andei no Jardim-Escola João de Deus, onde penso ter adquirido as bases da minha grande paixão pela língua portuguesa, pelas palavras, pelos conjuntos de sílabas, pela sonorização das frases. Devo ao método de João de Deus, o que quer que os entendidos pensem dele, os fundamentos desta paixão. Depois fui fazer a escola primária numa escola na Rua do Poço dos Negros, onde havia duas meninas...

MJS - Duas meninas que...?!

JD - Que nada, eram mais velhas e da família da professora. Mas lembro-me delas! A seguir foi o liceu, o Pedro Nunes - má sorte a minha, não havia meninas nenhumas, tinham tido ordem de saída no ano em que eu entrei. Foi no Pedro Nunes que comecei a minha brilhante carreira de homem mal-comportado e com má fama.

MJS - Era já a boémia a chamar por ti?

JD - Não, boémia não, que eu era muito controlado pelo meu pai. Com a disciplina e a protecção dos filhos únicos. Mas contestava no próprio liceu. Com Jorge Calado, que era o melhor aluno da turma, fizemos um jornalzinho, todo policopiado à mão, trabalhava na rádio do liceu, tinha boas notas mas era muito mal-comportado. Curiosamente, o reitor, que se chamava Xavier Lobo, um dia surpreendeu-me à frente de uma "manif" , numa segunda-feira de Carnaval, com o grito de ordem "Não queremos aulas!" Esta cena de protesto mereceu-me um estaladão na cara. O mesmo reitor que me pregou esse estalo era também meu professor de Português e tinha acabado de me dar 20! Não me expulsou, mas aconselhou o meu pai a matricular-me noutro liceu. E olha, foi com este tipo de contradições que a minha vida, até hoje, se foi fazendo. O meu pai dizia que, a dar-me outro nome, chamar-me-ia Mas!

MJS - Mas?!!! Mas Duarte?

JD - Exactamente, Mas Duarte. O esplendor territorial da adversativa. O que se dizia de mim era sempre do género: É bom aluno, mas... porta-se mal na escola; Tem boas ideias, mas... é pena ter aquele feitio, etc... O "mas" é que estragava tudo. Voltando ao reitor Xavier Lobo e aos doutos conselhos que deu ao meu pai, fui fazer o 3º ciclo no Passos Manuel. Os liceus, naquele tempo, estavam muito relacionados com as classes sociais - o Pedro Nunes era um clube de gente fina e o Passos Manuel era um clube de gente popular. E aí fiz os meus grandes amigos.

MJS - Querias seguir Ciências ou Letras?

JD - Eu não sabia o que queria. Sabe-se lá o que se quer com 15/16 anos! Matriculei-me na alínea f). O meu pai, que era sargento-enfermeiro da Armada, tentou convencer-me a ir para a Marinha de Guerra. Já me estava a ver fardadinho de branco, numa escola de prestígio como era a da Marinha... Mas eu, que gostava muito de Lisboa e não me apetecia nada andar a navegar por longes, preferi ir para a Escola do Exército. Sempre era de residência fixa. Foi um desastre total. Eu já era naquela altura mais ou menos como sou hoje, embora talvez um bocadinho mais... perfeito. Os rapazes que entravam para a Escola do Exército eram supostos ser os "melhores" portugueses. Para se ser admitido tinha que se ter o índice de Pinhé - zero.

MJS - Índice de Pinhé?!!!

JD - Era uma fórmula muito simples inventada por um tal senhor Pinhé - à altura subtrais a soma da medida do peito com o peso. Se der zero, és perfeito. Não podias ter uma cárie, tinhas que correr 100 metros em menos de 12 segundos, ser ágil a subir à corda, a saltar em altura...Fui claramente expulso logo no 1º ano, por mau aproveitamento e por falta de espírito militar. Estive várias vezes de castigo - não me apresentava fardado, quando vinha passar os fins-de-semana a casa era visto no Chiado à paisana, nas manobras enchia o cantil da água com bagaço... fui colega do general Rocha Vieira, de quem continuo amigo até hoje. É curioso, sempre me dei bem e fiz amizades com os meus antípodas. Mas, apesar do mau comportamento, a verdade é que eu era muito popular na escola. Era histriónico, tinha jeito para a música e organizava animações.

MJS - Tocavas algum instrumento? Já vocalizavas?

JD - Tocava bateria e sopros. Mal, claro. Vocalizava imenso e cantava o fado.

MJS - Saído da Escola do Exército o que é que se seguiu?

JD - Voltei ao Liceu, matriculei-me na alínea g), que dava acesso a Económicas e Financeiras. No Passos tal cumo no Pedro não eram autorizadas meninas e desde que eu cheguei ao P e ao P os dois liceus da minha vida... azar... mas no P de Passos o Manuel dispensei da admissão à faculdade! Entrado em Económicas, por onde andei vários anos a coxear entre o 1º e o 2º ano, repetiu-se o fracasso escolar. O grande trunfo da minha popularidade eram as "revistas" de finalistas. Ia chumbando, mas não deixava de aplicar o meu tempo nas artes cénicas, como actor e dançarino das tais "revistas", para sucessivas gerações de finalistas. Sempre com grande êxito. E... casei-me com a melhor aluna. Estávamos em 1963 e houve a famosa greve da Universidade. Em termos de adesão às greves, passava-se o seguinte: 100%, no 1º ano; 80%, no 2º; 50%, no 3º; 5% no 4º e 0% no último. A melhor aluna da Faculdade, finalista, namorava o Zé Duarte e, vai daí, fez greve. A única do último ano a fazer greve! Foi logo chamada ao reitor, claro! Ganhámos, ganhei! Foi por essa altura que descobri o jazz, a política, o país em que vivia... casámos.

MJS - Já são quantos os casamentos contratuais do teu C.V.?

JD - contra quem? são três. E basta! O último foi muito bonito: a senhora da Conservatória foi lá a casa, onde estávamos nós e as nossas duas filhas, tudo muito discreto porque já não tínhamos público para estas cerimónias (os amigos já tinham esgotado a paciência para assistirem a mais outro casamento!), e começou o discurso banal da ocasião. Ao abrir o livro dos registos, a conservadora percebeu a "frequência" das minhas núpcias e, de ah! em ah!, à medida que ia virando as folhas, entendeu moralizar o sermão. Até que a noiva, a um dado momento, diz-lhe: - Desculpe, estamos aqui de livre vontade e sabemos tudo isso que a senhora está a lembrar. Queira acabar por favor, porque estamos, nós e as crianças, cheios de fome e já é hora de almoço!

MJS - Começaste a "ganhar a vida" relativamente tarde?

JD - Andava só pelas noites e pelas músicas, mas, a um dado momento, percebi que tinha que ajudar os meus pais. Desisti de estudar, fui para a TAP, que pagava bem na altura e dava a possibilidade de viajar, de ir até uns sítios ouvir jazz, comprar livros, ver uns filmes. Na TAP, onde estive perto de 30 anos, o meu trabalho era no Tráfego, de pés no chão. Entrei a ganhar 2.500$00. Bem bom! As viagens eram uma ilusão, porque tu ir ias, mas para estares nos sítios era complicado, o dinheiro do ordenado não chegava para tanto. Nessa época, 1960, o grande destino era Paris - ver quatro filmes por dia na Cinemateca, comprar livros na 'Joie de Lire' de François Maspero e, à noite, ouvir jazz. Para sobreviver em Paris, a minha mãe preparava-me uns farnéis fantásticos, de dia para dia as coisas iam endurecendo, mas assim é que eu enganava a fome. Era uma enorme alegria poder comprar uns disquinhos que não se encontravam por cá, chegar a Portugal, pôr a tocá-los num programa de rádio e imaginar os países a ouvi-los. O meu primeiro programa de rádio começou em 1958, na Rádio Universidade. Em vez de "O Homem, esse Desconhecido" de Alexis Carrell, chamei-lhe "O Jazz, esse Desconhecido".

MJS - Aí, já o jazz tinha começado a tomar conta de ti.

JD - Pois, o jazz é outra língua. É uma linguagem. É como saberes alemão e russo e mandarim. Temos todos capacidade para aprender a falar outras línguas e fica-se melhor, fica-se mais rico se as aprendermos. Costumo dizer - o que causa sempre escândalo! - que as pessoas que sabem jazz são melhores que as outras, porque, custe a quem custar, ouvem coisas que as outras ficam sem conhecer, dominam outro vocabulário, conhecem outra gramática, têm outra disciplina mental. Ainda por cima, o jazz, que vem de outras culturas que não a europeia ocidental tem leis que não estão na música com que fomos educados. Quer ritmicamente, quer harmonicamente, quer sonoramente.

MJS - Além da liberdade e do improviso que, como categorias específicas da linguagem do jazz, devem constituir, para um rebelde como tu, matéria fundadora dessa paixão...

JD - Isso devia ser eu a dizer-te, estás a inverter os papéis. Mas claro que também é por aí que quem gosta de jazz gosta muito de jazz. E depois há a possibilidade de cada um ter o seu discurso próprio. Não há um jazz, há até mais jazzes que músicos de jazz. Hoje em dia, os músicos mais novos actuam em várias zonas, ou seja, tratam várias áreas com a linguagem jazz. É hoje muito normal veres músicos cultos, da Europa Central, por exemplo, ligados ao folclore dos seus países, fazerem o cruzamento das raízes musicais étnicas com o jazz (e é por aqui que eu, pessoalmente, acredito que vai passar a grande riqueza do jazz do século XXI) e, logo a seguir, tocarem blues com uma quadratura diferente e com um "swing" semelhante ao dos negros norte-americanos.

MJS - Mas o blues não é da família do jazz?

JD - O blues é a essência do jazz! É a pre-história do jazz. É uma música vocal, quer o blues rural, quer o urbano. Depois foi-se transformando, foi-se espalhando pelos Estados Unidos, com as "blues band", com os homens que levavam a sua cultura pelo rio acima, pelo caminho-de-ferro acima.

MJS - É sempre um lamento ou há também blues de alegria?

JD - Há também "happy" blues. Há blues malandrecos, que falam de mulheres, de copos... E, noutros tempos, os blues foram uma arma, uma canção de resistência, de intervenção.

MJS - Nasce quando?

JD - Já referenciado, lá para finais do século XIX.

MJS - E começa por ser um fenómeno rural, do Sul dos Estados Unidos, não é ?

JD - Sim, sim. Depois chega às cidades, espalha-se para cima e para os lados, para as costas do Pacífico e do Atlântico e, fundamentalmente, para cima, através do caminho-de-ferro e do Mississípi. É um fenómeno que começa por ser rural e negro, mas as minorias que então também eram exploradas e que faziam os trabalhos mais duros, sobretudo judeus e chineses, adoptaram-no como seu e emparceiraram com os negros. Há grandes músicos judeus na história do jazz - Benny Goodman, Stan Getz, Artie Shaw... são dezenas. Woody Allen, sei lá quantos outros. E é curioso que a maioria deles tocava clarinete. Põe-te a ouvir música popular judaica e verás que o clarinete está sempre presente.

MJS - É para mim intrigante que em África não haja nenhuma tradição jazzística, que não se conheçam muitos músicos de jazz, que o jazz nunca tenha verdadeiramente "pegado". Porquê?

JD - Há umas vagas explicações. De facto, o jazz nunca teve grande aceitação em África, nunca foi uma música popular por aquele continente. Também sempre me intrigou porque é que não fez boomerang! Todos sabemos que as origens mais remotas do jazz são africanas, foi de lá que o jazz saiu, mas nunca voltou para trás.

MJS - As origens vêem do tambor?

JD - Do tambor?!! Não sei. Os escravos não levavam sequer instrumentos com eles. Inventaram-nos lá, depois de terem conhecido, muito espantados seguramente, os instrumentos ocidentais.

MJS - Mas a "batida" não virá dos tambores, esse espantoso meio de comunicação à distância que os africanos utilizavam?

JD - Provavelmente. Está por fazer a pré-história do jazz. Acabei de escrever uma breve história do jazz em português. Estou orgulhoso dela. É a primeira, em português, português. E aí digo que falta investigar a tal pré-história do jazz. De certeza que, quando for feita, vamos por lá encontrar alguns portugueses. Com o comércio de escravos, que dominávamos, é fatal. Há os Silvas, que chegaram a Nova Amsterdão logo nos princípios da cidade, antes de se chamar Nova Iorque...

MJS - Portugueses e muitos deles judeus, estou-me agora a lembrar!

JD - Vês como está tudo ligado, como dizia a PIDE?! Então era assim: os escravos partiam de África (à força, claro!) e cerca de metade morria logo na travessia do Atlântico. Os mercadores de escravos forneciam as encomendas a peso. Ou seja, o que se pedia não eram 500 escravos, mas sim 500kg de escravos! Iam para lá e para se entenderem, quer com os seus colegas de barco, falantes de outras línguas, quer com os contratadores americanos, tiveram que inventar uma linguagem comum, que deu o famoso "slang". New Orleans deve ter sido cá um caldeirão de culturas! Sobre a tua questão de África, um amigo meu, que é baterista negro e norte-americano, Elvin Jones, deu-me uma explicação possível - eles já não se consideram afro-norte-americanos, mas sim negros norte-americanos. Ou seja, têm já uma cultura definida e essa não conhece África.

MJS - Pois, mas essa é a interpretação de um dos lados. A do outro, do lado de África, é que me interessava perceber.

JD - Mas o que é queres? não há pistas que esclareçam esse enigma. Tanto mais que África é o único continente que não foi, nem é, permeável ao jazz. Da Ásia à América Latina e à Europa a divulgação e o entrosamento são grandes, cada vez maiores. No Japão, na Índia, na Argentina, por aí fora... crescem Festivais, o culto do jazz é cada vez mais forte. Só que depois há afinidades rácicas únicas. Quando conheci o Dizzy Gillespie, em Varsóvia, em 1971, uma das primeiras coisas que me disse foi que queria conhecer o Eusébio, the "Black Pearl"! Conheceram-se e foi fantástico. Ainda me lembro da nervoseira do Dizzy, mais tarde, já em Lisboa, na "suite" do Altis, à espera que o "Pérola Negra" chegasse. E das brincadeiras que ambos inventaram e com que se brindaram mutuamente. Depois de um Portugal-Bélgica, em que Eusébio não esteve inspirado, fomos até casa dele. O mínimo que preparou foi um "blindfold test", pôs um disco para o Dizzy adivinhar quem é que estava a tocar e trocaram várias impressões sobre "soccer", sobre o futebol americano.

MJS - Um jazzman português diz "negro" ou diz "preto" quando se refere aos músicos de jazz?

JD - Diz-se a grande música negra. Negro é a tradução de "black". Preto é a tradução de "nigger".

MJS - Há alguma ponte de passagem entre o jazz e o fado?

JD - Não. Uma coisa não tem a ver com a outra. Talvez com o blues. Mas não. Pela temática, um pouco. Musicalmente, nada. O blues, na sua formação clássica, é uma estrutura de 12 compassos, como um silogismo aristotélico, um silogismo empobrecido, um entimema. Parece-nos que são todos iguais, quando os ouvimos. Aí sim, talvez haja, para ouvidos desprevenidos, qualquer coisa de semelhante ao fado.

MJS - E o espaço para o improviso nas vozes do fado?

JD - Há, há. E há outra coisa ainda no fado que também é do reino do jazz - as antivozes. Como a de Alfredo Marceneiro e a de Louis Armstrong. A primeira vez que pus um disco de Billie Holiday, o técnico de som pôs-se a fazer gestos do outro lado do vidro a dizer-me que estava fora das rotações. E passa-se o mesmo com as palmas: nos concertos de jazz é muito frequente o público bater palmas de acompanhamento nos tempos fortes. É, no mínimo, uma falta de educação. Que me lembre, Duke Ellington interrompeu uma vez o concerto que estava a dar e pediu à assistência que, a bater palmas, o fizesse nos tempos fracos.

MJS - E no flamenco, consegues saber acompanhar as espantosas palmas com que músicos, cantores e bailarinos se acompanham?

JD - Ai, o flamenco! Porque é que me falas no flamenco!?

MJS - Porquê? Não devia? Não gostas?

JD - Não gosto? Se gosto!! Sabes como gosto de jazz, pois nunca o jazz me conseguiu comover até às lágrimas como o flamenco. Não percas o concerto de uma cantora andaluza, de Huelva, a Martirio, que vem em novembro à Culturgest. Canta sempre de óculos escuros, como o Pedro Abrunhosa. É de não falhar. Antes de conhecer o flamenco, eu tinha pretensões rítmicas. Depois, ao ouvir aquelas palmas, percebi que sabia nada.

MJS - Voltando ao jazz, de que é que gostas menos nos solos, mesmo dos bons intérpretes?

JD - Do que gosto menos? Do papel, quando há muito papel não gosto. Desconfio.

MJS - Do papel? Estás-me a falar em pautas?

JD - Já vais perceber. Havia um crítico, fanático de John Coltrane. Depois de ouvir não sei quantas vezes um certo solo que ele tinha gravado, conseguiu transcrevê-lo e disse a Coltrane - "Transcrevi aquele teu solo. Aqui o tens, toca-o." E John Coltrane, olhando para a pauta, respondeu assim - "Não sou capaz." Não é lindo? É que a velocidade de criação sem ler é maior do que se for lida. Mesmo que infinitesimal, esse tempo intromete-se na vibração do outro "tempo", que é o genuíno do improviso.

MJS - Chegou o momento de falarmos de "swing", Zé Duarte.

JD - Nada mais difícil de definir. Só com exemplos concretos se vai lá.

MJS - Vamos a isso. Os portugueses, como povo, têm "swing"?

JD - Não, apesar de sermos musicalmente ecuménicos, só uns tantos é que têm "swing".

MJS - Os espanhóis têm "swing"?

JD - Têm muito "swing".

MJS - Os brasileiros?

JD - Todo o brasileiro tem "swing". Nenhum alemão tem "swing".

MJS - Políticos portugueses: Guterres tem "swing"?

JD - Guterres e Louçã não têm "swing". Soares tem. Sampaio pode ter. Se for preciso tocar com "swing", toca.

MJS - Miguel Portas?

JD - Tem.

MJS - E Paulo Portas?

JD - Zero de "swing".

MJS - Álvaro Cunhal tem "swing"?

JD - Tem "swing" à brava. É o maior em "swing".

MJS - Bill Clinton?

JD - Um bocadinho. Mas Hillary não tem nenhum.

MJS - Mulheres portuguesas com muito, muito "swing"?

JD - Ana Bustorff. E Sofia Aparício. E, claro, Teresa Patrício Gouveia.

MJS - Amália Rodrigues tinha "swing"?

JD - Se tinha! Deixa-te lá desses exemplos de pessoas, prefiro ir às formas.

MJS - O quadrado tem "swing"?

JD - Nada. Nem o triângulo. O círculo tem.

MJS - O CCB?

JD - Não. Os Jerónimos têm imenso "swing". A Torre de Belém não tem.

MJS - Lisboa?

JD - Ui, Lisboa, se tem!! As Docas também têm e da Ponte Vasco da Gama nem se fala! É toda "swing".

MJS - Passemos às cores, como gostas: o encarnado tem "swing"?

JD - Tem, como o preto e o amarelo e alguns verdes e azuis. O cinzento e o castanho, não. Nem o branco.

MJS - A feijoada à portuguesa tem "swing"?

JD - Muito. Mas o vinho branco não tem. Já o tinto tem para dar e vender!

MJS - Dá-me a tua palavra de eleição.

JD - João.

MJS - ... que teria 31 anos no ano 2000!


em 7 agosto 2000

na casa dela de Maria e de Fernando Lopes presente nesta entrever… fomos amigos

The End


'tenta sentires-te triste sem o estares' convite malvado de Laurie Anderson uma Senhora dos USA hoje com 73 uma mulher ***** ela e eu gostámos muuuuuito de Lou Reed + milhões e vidente mente

Curriculum

63 anos divulgação diária jazz

(1958 – 2020)

 . Fundador do 'Clube Universitário de Jazz’ (1958 a 1961) fechado (encerrado cumo eles diziam…) pela Pide

. de 1958 a 1964 - frequência universitária no ‘Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras’ (ISCEF) hoje ‘Instituto Superior de Economia e Gestão’ (ISEG)

. Rádio: 'O jazz, esse desconhecido' – Rádio Universidade - 1958

. Primeiro texto na imprensa escrita - 'Diário de Lisboa' - 1960

. Rádio:

'Cinco Minutos de Jazz'

Rádio Renascença (1966-1975) / Rádio Comercial (1984-1993)

RTP (desde 1993)

‘A menina dança?’  Rádio Comercial (1989-1993) / RTP (1993-2012)

‘Jazz com brancas’ RTP (2006-2010)

. 1972 - primeiro disco LP hoje CD jazz gravado e editado em Portugal Lisboa com músicos estrangeiros: ‘Estilhaços’ com Steve Lacy, Steve Potts, Irene Aebi, Kent Carter, Noel McGhie - concerto 6º aniversário ‘Cinco Minutos de Jazz’

. membro da Direcção da 'International Jazz Federation' – de 1975 a 1984

. Membro do 'International Critics Jazz Poll' da revista n-a 'Down Beat'

(desde 1975)

. Livros:

'João na Terra do Jaze' – 1981 esgotado

'Jazzé e Outras Músicas' – 1994 esgotado

‘Cinco Minutos de Jazz’ – 2000 esgotado reeditado junho 2019

‘História do Jazz’ – 2000 esgotado

‘Jazz, Escute e Olhe – Portugal 1971-2001’ – 2001 esgotado

‘Poezz - jazz na poesia em língua portuguesa’ – 2004 esgotado

 . Rádio Comercial (anos 80):

'Pão com Manteiga'

'À volta da meia-noite’

‘Abandajazz’

 . RTP 2:

'Outras Músicas' - 1990 a 1993 / ‘Jazz a Preto e Branco’ – 2001

 . ‘Jazz Classics’ (dois CDs) - Disco de Ouro – 1995

. 'O Papel do Jazz’ revista trimensal bilingue fundador e diretor (1997 a 1998)

 . Séries de Conferências:

.Ministério da Ciência e Tecnologia - 'Internet na Escola'

.Ministério da Cultura - 'Capítulos do Jazz', 'Improvisando com.…'

.Bibliotecas Municipais – de Alfândega da Fé a Angra do Heroísmo

.Fundação Calouste Gulbenkian: ‘Encontros de Literatura com Jazz’, 'Ler Jazz', ‘Discos são os Livros do Jazz’

. Ministério da Cultura: Membro dos júris do concurso de apoios a Festivais de Música – 1997 / Prémios ‘Almada’ e ‘Revelação Ribeiro da Fonte’ – de 2000 a 2004

. Biodiscografias de músicos portugueses no 'New Grove Dictionary of Jazz’ second edition – 2001

. membro Conselho Consultivo Associação José Afonso (julho 2015)

. acervo na Universidade de Aveiro desde 2002 com convite: Professor Auxiliar Convidado para Disciplinas de Opção Livre: “História do Jazz” e “Audição Musical Comentada” no ‘Centro de Estudos de Jazz’ da Universidade de Aveiro então criado

site jazz – 2002 então da Universidade de Aveiro www.jazzportugal.ua.pt - desde 1997 no ar até 2020

. ex-membro da ‘Jazz Journalists Association’ sede em NYC

. 1 outubro 2004 (Dia Mundial da Música) - Ministério da Cultura Medalha de Mérito Cultural

. 20 maio 2005 (80º aniversário da ‘Sociedade Portuguesa de Autores’)    Medalha de Honra

. ‘Let’s jazz em público’ maio a dezembro 2005: coordenador e autor com 31 volumes com 1 cd/1 livro editados semanalmente pelo diário ‘Público’ e colaboração escrita de 25 músicos portugueses jazz -  esgotados

. de 2006 a 2010 na RDP antena 2 ‘jazz com brancas’ segunda a sexta 20.10h às 21.00h

. 21 fevereiro 2006 celebração no teatro S. Luiz dos 40 anos da primeira emissão da rubrica segunda a sexta ‘Cinco Minutos de Jazz’ então na Rádio Renascença concerto e caixa com quatro CDs

. 2006-2008 - Coordenador para o Ministério da Cultura da organização de uma grande orquestra de jazz com jovens músicos alemães, portugueses e eslovenos (entre 20 e 30 anos de idade cronológica) ao abrigo da União Europeia e dos respetivos países presidentes em 2007 e primeiro semestre de 2008

. 2007 – Câmara Municipal de Lisboa - Medalha Municipal de Mérito – Ouro

. 2008 – Disciplina ‘História do Jazz’ Academia de Amadores de Música em Lisboa

. 24 junho 2008 - apresentação de DVD ‘José Duarte a solo’ no ‘Centro de Estudos de Jazz’ da UA

. 28 junho 2008 - Auditório ‘José Duarte’ - ‘Escola Jazz ao Norte’ no Porto

. coordenador e coautor da colecção ‘Frank Sinatra – The Golden Years’ 11 volumes com 2 CDs/1 livro editados semanalmente pelo jornal diário ‘Correio da Manhã’ junho a setembro 2008

. 10 junho 2009 – Grande Oficial da Ordem de Mérito por PR

. 10 dezembro 2009 – Homenagem da Universidade do Algarve - Faro

. 21 maio 2010 – ‘Sociedade Portuguesa de Autores’ - prémio ‘Pró-Autor’

. 14 cd jazz ‘Os Instrumentos’ e 14 cd jazz ‘Os Melhores’ - julho 2011 - Fnac

. 3 cd jazz em caixa – 45 anos ‘Cinco Minutos de Jazz’ - agosto e setembro 2011 - Fnac e diário ‘Público’

. 15 sessões de divulgação jazz no ‘Clube Literário do Porto’ - outubro 2011 a fevereiro 2012

. 8 maio 2014 – ‘Sociedade Portuguesa da Autores’ (SPA) Rádio Prémio Autor

. fevereiro 2016 – celebração 50 anos de ‘Cinco Minutos de Jazz’ - emissão rádio RTP antena 1 segunda a sexta com músicos portugueses e os n-n-a Jerry Gonzalez e Steve Potts (teatro ‘Gil Vicente’ - Coimbra e ‘Hot Clube de Portugal’ e S. Luiz - Lisboa) e Jan Garbarek 4teto (CCB - Lisboa)

. jazzin’ on line desde 1 janeiro 2017 - 24 horas jazz night & day endereço:  jazzin.rtp.pt

. 2018 – 42 sessões audiovisuais divulgação jazz:

MUSA Museu das Artes – Sintra – uma com Nelson Cascais cbaixo

Museu Nacional da Música – Lisboa – uma com Maria João voz

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa – uma com Luís Candeias bateria

Associação José Afonso – Lisboa – uma com César Cardoso saxofone 

CCB – Lisboa – uma com João Paulo Esteves da Silva piano (prémio ‘O pianista jazz português')

. ‘Cinco Minutos de Jazz’ será ‘nomeado’ em 22 fevereiro 2020 para a ‘World Championship Radio Guiness Medal’ permanência mundial desde 1966 são 55 anos com emissões radiofónicas de segunda a sexta mas apenas ‘nomeado’ pois não se conseguirá provar 55 anos no ar em Portugal porque «quem poderia provar já se foi embora» … ou «não há arquivo para programas radiofónicos só com 5 minutos… e foi há tanto tempo!!!…»

2020 novembro 13: “CODA – jazz é composição improvisada”  (permanente na net)

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 ‘aprendeu’ jazz e com eles teve/tem diferentes graus de amizade recíprocos:

Louis Armstrong, James Moody, Betty Carter, Stan Getz, Elvin Jones, Roland Kirk, Dewey Redman, Sam Rivers, Roland Kirk, Tete Montoliu, Ronnie Scott, Charlie Haden, Steve Potts, Jean François Jenny-Clark, Phil Woods, Rashied Ali, Ornette Coleman, Steve Lacy, Aldo Romano, Diana Krall, McCoy Tyner, Jason Moran, Sheila Jordan, David Murray, Dave Holland, Barry Harris, Nasheet Waits, Roy Campbell 

e agora & por João Moreira dos Santos...

Senhoras e Senhores todos em seu estado perfeito ou de sítio apresento...

JOSEPHINE BAKER: 

A PRIMEIRA MÃE UNIVERSAL DO SÉCULO XX

Madonna e Angelina Jolie podem ser reconhecidas mundialmente por terem adoptado crianças de diferentes geografias, mas não foram as primeiras a fazê-lo. Esse estatuto cabe por inteiro a Josephine Baker. Além de ter sido pioneira como mãe universal, a vénus negra, combateu também o nazismo e o racismo. Antes disso, desempenhara um importante papel na promoção do Jazz na Europa dos anos 1920. Houve poucas artistas como ela. Todo esse invulgar e notável percurso teve início em 1925. Nesse ano, Josephine Baker embarcou num navio que a levou de uns Estados Unidos segregacionistas para uma Paris mais tolerante e receptiva à sua arte. As suas ousadas e desnudadas danças começaram por escandalizar a Europa e desafiar a hegemonia cultural dos brancos e os tabus sociais vigentes, mas acabaram por fazer de La Baker um ícone do Jazz e da libertação sexual.

Em 1947, finda a Segunda Guerra Mundial, em que se envolveu como voluntária da Cruz Vermelha e como espia ao serviço dos aliados, com duas passagens por Portugal, casou-se com o chefe de orquestra Jo Bouillon.

Em meados da década seguinte, deu os primeiros passos na adopção de crianças, não sem lutar contra diversas adversidades. Longe de desistir, criou no castelo de Les Milandes, em França, uma verdadeira ONU de palmo e meio, à qual se referia como “tribo do arco-íris”. Tal designação não era fortuita. Pelo contrário, espelhava a diversidade de nacionalidades e credos religiosos das doze crianças, que Josephine Baker tratava como se fossem seus filhos.

Profundamente envolvida nas manifestações antirracistas e que reivindicavam para os negros norte-americanos a plenitude dos direitos cívicos, tendo caminhado ao lado de Martin Luther King na célebre marcha de Washington (1963), Josephine Baker concebera a sua prole como uma “experiência fraterna”. Pretendia, assim, provar ao mundo que crianças de diferentes etnias podiam viver em harmonia.

Só Portugal lhe fechou as portas a tal experiência. Em 1958, quando actuou Casino Estoril, a artista visitou a creche da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tendo afirmado à imprensa que «gostava de ter um garoto português porque este país realizou as minhas ideias. Aqui não há discriminação». Tal intento saiu, contudo, gorado, pois nenhuma das setenta e duas crianças daquela instituição tinha menos de um ano, idade que considerava ideal para uma boa integração. Ou talvez essa fosse apenas uma desculpa politicamente correcta, proferida para salvar a face do regime, evitando uma eventual expulsão do País…

Cerca de um ano depois, Josephine Baker pisou novamente território português, dessa feita para uma curta escala aérea. Acompanhavam-na dois dos seus filhos adoptivos, incluindo uma criança índia, chamada Mara, que adoptara dias antes em Caracas. A imprensa quis saber se a vedeta mantinha a intenção de adoptar uma criança portuguesa, ao que aquela respondeu: «pode ser, um dia, mas mais tarde... A mãe portuguesa é muito ciosa dos seus filhos. A não ser que se tratasse de um órfão... Mas mesmo assim acho difícil».

Em Novembro de 1960, Josephine Baker deslocou-se a Portugal a convite da RTP. Quando da interpretação de «Mon p'tit bonhomme», dedicada às crianças, a artista declarou: «amemos todas as crianças, todas as crianças do mundo inteiro, não importa de que país venham, porque são as crianças que se tornarão mais tarde homens; homens grandes, espero, que se amarão entre eles na fraternidade universal. É nisso que acredito, na fraternidade universal. Não têm importância a cor, os continentes de onde vêm, nada. São homens». Ainda que velada, a mensagem política tinha sido dada. Talvez por isso, Josephine Baker não mais voltaria a Portugal.

De regresso a França, esperavam-na tempos conturbados. As dívidas avolumavam-se e, em 1968, o Castelo de Les Milandes foi vendido em hasta pública. A providencial ajuda financeira de Grace Kelly, princesa do Mónaco, permitiu-lhe adquirir uma casa perto de Monte Carlo.

Quando Josephine Baker morreu, a 12 de Abril de 1975, mais de vinte mil pessoas saíram às ruas de Paris para assistir ao seu funeral. O governo francês prestou-lhe homenagem com vinte e uma salvas de canhão, tornando-a a primeira mulher americana a ser enterrada em França com honras militares. Os seus restos mortais repousam, contudo, no Mónaco.

... and that's all folks!


em "CODA 5 - A dor ou a Dor ou ardor" quiz - do verbo querer - escrever Trump mas saiu Trumpo 'outro' erro Trampa seria melhor sorry pior

Jazzé do Arte

na Lapa em Lisboa capital dos verdes craques & jovens

em 3 de de zembro 20 e 20 são cuarenta



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